Cristiano Cruz

Christiano Alfredo Shepard Cruz ou Cristiano Sheppard Cruz ou Cristiano Cruz ou ainda Christiano Cruz (Leiria, 6 de Maio de 1892Silva Porto, 21 de Outubro de 1951) foi um veterinário, pintor, desenhador e caricaturista da primeira geração do Modernismo português.[1]

Cristiano Cruz
Cristiano Cruz
Nascimento 6 de maio de 1892
Leiria
Morte 21 de outubro de 1951 (59 anos)
Silva Porto
Nacionalidade portuguesa
Área Desenho de humor; pintura
Desenho humorístico, publicado em A Sátira, 1 de Maio de 1911
Capa do catálogo do II Salão dos Humoristas, 1913
Sem título (Senhoras à mesa), c. 1919, óleo sobre cartão, 28,5 x 26 cm

Biografia

Christiano Sheppard Cruz, filho de Alfredo Eduardo Cruz e de Berta Sheppard Cruz, nasceu na freguesia de Nossa Senhora d’Assumpção no distrito de Leiria.[1] Embora tenha vivido até aos 59 anos de idade, a sua carreira artística foi breve, iniciando-se sensivelmente em 1909 para terminar abruptamente em 1919, ano em que decidiu partir para Moçambique e abandonar as artes para se dedicar em exclusivo à medicina veterinária [2].

Christiano Cruz participou ativamente do desejo de renovação artística das primeiras décadas do século XX em Portugal. O seu papel nessa fase de transição tornou-o numa espécie de "semeador do modernismo português". Por via de um destino assumidamente desviante, acabaria por não ser ele a colher os frutos da sua ação renovadora e os anos de 1920 "já não seriam os seus, mas os da sua influência" [3].

Biografia / Obra

Sem formação artística, oriundo de um meio familiar republicano e tendo como único guia artístico o desenho da imprensa, a obra de Christiano Cruz liga-se desde o primeiro momento ao desenho de humor e à crítica social [4]. Viria depois a demarcar-se, em parte, dessa atitude inicial, defendendo a autonomia do domínio artístico. Numa entrevista de Maio de 1914 afirmaria: "não façamos crítica, façamos arte" [5].

As suas obras iniciais datam de 1909, quando ainda se encontrava em Coimbra. No ano seguinte fixa-se em Lisboa para prosseguir estudos em Medicina Veterinária. Junta-se então ao grupo que esteve na origem da Sociedade dos Humoristas Portugueses e que integrava, entre outros, Stuart Carvalhais, Jorge Barradas, José Pacheko e Almada Negreiros [6]. É nesse âmbito que participa nos Salões dos Humoristas de 1912 e 1913, com acolhimento muito positivo na imprensa (é dele a capa do Salão de 1913, onde já se revela uma inflexão de estilo). O trabalho realizado entre 1909 e 1912 configura a primeira etapa da sua obra, que ele próprio apelidou de "fase de estilização", onde predominam os desenhos humorísticos, de traço único, "admiravelmente sintético" [7]. As suas figuras severas despem-se de particularidades deformadas para se tornarem "manequins de um programa humorístico mais subtil e misterioso". Através de personagens ultra sintéticos e da sua busca de um tipo de "caricatura impessoal", procura ultrapassar os estereótipos da caricatura social e de costumes, num simbólico "grito de guerra contra o tradicionalismo" [8] que irá influenciar outros, entre os quais Almada Negreiros [9].

A partir de 1913 o seu traço evolui, torna-se mais expressivo – talvez num eco de obras como as de Egon Schiele ou Oskar Kokoschka –, abrindo caminho para a última fase da sua obra [10]; em 1915 Cristiano Cruz começa a experimentar a pintura em obras de pequeno formato, aprofundando o questionamento do seu desenho inicial, rígido e ascético, para descobrir os potenciais de um idioma abertamente expressionista onde a cor tem um papel fundamental. Participa com nove desses trabalhos, distantes da sua reconhecida obra de humorista, na 1ª Exposição dos Humoristas e Modernistas, no Porto, mas o acolhimento crítico é menos favorável; e para a exposição do ano seguinte enviará um único trabalho.[11]

Em 1917 parte para França – integrado no Corpo Expedicionário Português que combatia na 1ª Guerra Mundial –, onde irá realizar um conjunto de obras tematicamente ligadas à guerra. Regressa em 1918 para prolongar as explorações pictóricas desses últimos anos, tão formalmente intensas e avançadas para a época quanto pouco numerosas e discretas em termos de escala (nas palavras de José Luís Porfírio, uma "pintura que quase não chegou a existir" [12]). Limitando-se sempre aos formatos reduzidos, estes trabalhos são a sua contribuição mais importante para uma via expressionista. Cristiano Cruz conjuga a energia da cor e dos contornos negros com a exploração textural do próprio suporte para tratar uma multiplicidade de temas, do autorretrato, atento aos estados psicológicos, à tragédia e angústia da guerra ou ao dia a dia da cidade (veja-se por exemplo, sem título – Senhoras à mesa, c. 1919).[11]

"Neurasténico", "linfático e triste", como o próprio artista se definiu.[13], saturado da repetição do grafismo do cartoon e de uma pintura criticamente mal acolhida, Cristiano Cruz ameaçava "virar-se contra a sua própria ação e ética criativa" e, em 1919, embarca subitamente para Moçambique [14]. No ano seguinte ainda envia trabalhos para a III Exposição dos Humoristas, mas a partir daí irá dedicar-se em exclusivo à medicina veterinária interrompendo uma carreira que foi "a mais bem iniciada de todas as do seu tempo; e, sem dúvida, a primeira" [13]

Tem colaboração artística em várias publicações periódicas, nomeadamente nas revistas A Sátira [15] (1911), A Bomba[16] (1912) e A Farça [17] (1909-1910).

Referências

  1. António Martins Mendes. «Cristiano Sheppard Cruz» (PDF). Revista Portuguesa de Ciências Veterinárias. Consultado em 12 de Fevereiro de 2014
  2. FRANÇA, José AugustoA arte em Portugal no século XX. Lisboa: Livraria Bertrand, 1991, p. 46. ISBN 972-25-0045-7
  3. DIAS, Fernando Rosa – Ecos Expressionistas na Pintura Portuguesa Entre-Guerras. Lisboa: Campo da Comunicação, 2011, p. 109
  4. MENDES, Clara – Christiano Cruz. In: A.A.V.V. – Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão: Roteiro da coleção. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004, p. 30. ISBN 972-635-155-3
  5. Christiano Cruz, citado em: DIAS, Fernando Rosa – Ecos Expressionistas na Pintura Portuguesa Entre-Guerras. Lisboa: Campo da Comunicação, 2011, p. 110
  6. MENDES, Clara – Christiano Cruz. In: A.A.V.V. – Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão: Roteiro da coleção. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004, p. 30
  7. FRANÇA, José Augusto – A arte em Portugal no século XX. Lisboa: Livraria Bertrand, 1974, p. 54, 544
  8. DIAS, Fernando Rosa – Ecos Expressionistas na Pintura Portuguesa Entre-Guerras. Lisboa: Campo da Comunicação, 2011, p. 110
  9. FRANÇA, José Augusto – A arte em Portugal no século XX. Lisboa: Livraria Bertrand, 1991, p. 125
  10. MENDES, Clara – "Christiano Cruz". In: A.A.V.V. – Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão: Roteiro da coleção. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004, p. 30
  11. DIAS, Fernando Rosa – Ecos Expressionistas na Pintura Portuguesa Entre-Guerras. Lisboa: Campo da Comunicação, 2011, p. 111-115
  12. PORFÍRIO, José Luís – "Presença ausente: «Cristiano Cruz», António Rodrigues", Expresso, 1 de Julho de 1989. Citado em: DIAS, Fernando Rosa – Ecos Expressionistas na Pintura Portuguesa Entre-Guerras. Lisboa: Campo da Comunicação, 2011, p. 112
  13. FRANÇA, José Augusto – A arte em Portugal no século XX. Lisboa: Livraria Bertrand, 1991, p. 48
  14. DIAS, Fernando Rosa – Ecos Expressionistas na Pintura Portuguesa Entre-Guerras. Lisboa: Campo da Comunicação, 2011, p. 115
  15. Rita Correia (7 de fevereiro de 2011). «Ficha histórica:A Sátira. Revista humorística de caricaturas (1911)» (PDF). Hemeroteca Municipal de Lisboa. Consultado em 16 de Janeiro de 2015
  16. Álvaro de Matos (25 de Maio de 2011). «Ficha histórica: A Bomba (1912).» (PDF). Hemeroteca Municipal de Lisboa. Consultado em 9 de Julho de 2014
  17. João Alpuim Botelho. «Ficha histórica: A Farça» (PDF). Hemeroteca Municipal de Lisboa. Consultado em 17 de fevereiro de 2016
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