Matéria orgânica dissolvida

A matéria orgânica dissolvida constitui a forma mais abundante da matéria orgânica em sistemas aquáticos e representa a fração que passa através de filtro cuja porosidade é definida operacionalmente. A porosidade do filtro tipicamente encontrada na literatura é 0,45 µm.[1] Na prática essa porosidade tende a variar entre 0,1 e 1,2 μm. Em linhas gerais, matéria orgânica é uma mistura complexa de moléculas de diversas origens tais como carboidratos, proteínas, lipídios e substâncias húmicas encontradas em águas naturais. Essa matéria orgânica é composta majoritariamente por carbono e por isso, pode ser medida como carbono orgânico.[2] Como a maior parte desse carbono orgânico ocorre na fração dissolvida, ele é comumente descrito como carbono orgânico dissolvido.

Definição clássica: matéria orgânica dissolvida e matéria orgânica particulada

Tradicionalmente, a matéria orgânica é dividida nas frações particulada e dissolvida de acordo com o diâmetro das partículas. A definição desses termos é operacional e surgiu em meados do século XX com o aparecimento de filtros com tamanho de poro entre 0,45 e 1,0 µm, sendo que o primeiro tornou-se a base operacional para essa definição clássica.[3] Em outras palavras, a classificação entre particulado e dissolvido depende do método de filtração e da porosidade da membrana filtrante.

Historicamente, a fração que passa através de filtro com tamanho de poro 0,45 µm é classificada como dissolvida, enquanto aquilo que fica retido no filtro corresponde à fração particulada.[2] Resumindo, em termos numéricos a fração dissolvida compreende todo o material com tamanho menor que 0,45 µm. Outros tamanhos de poro podem ser utilizados na definição em diferentes ramos da ciência. Por exemplo, a definição prática do termo “dissolvido” tipicamente utilizada em oceanografia é simplesmente “todas as substâncias que passam através de um filtro GF/F (0,7 µm de porosidade)”.[3]

Por ser uma mistura extremamente complexa, apenas 10 a 30% dos compostos na fração dissolvida da matéria orgânica podem ser caracterizados.[4] Entretanto, sabe-se que a matéria orgânica dissolvida presente na água do mar é constituída principalmente por algumas bactérias de tamanho reduzido e macro/micromoléculas, tais como carboidratos e lipídios que se degradam rapidamente. Já a matéria orgânica particulada compreende organismos vivos, organismos mortos (isto é, detritos) e agregados macroscópicos.[4]

Quando os problemas analíticos foram superados através da melhoria das técnicas empregadas para determinação do carbono orgânico dissolvido, diversos estudos comprovaram que a concentração do mesmo no oceano é significantemente maior que o carbono orgânico particulado. Estima-se que o carbono orgânico particulado representa apenas de 1 a 10% do total de carbono orgânico presente no oceano.[4] Por conta disso, o processo de filtração de águas oceânicas muito afastadas da costa é frequentemente não executado, pois o carbono orgânico particulado é uma fração tão pequena que esforços extras para o processamento da amostra podem até ocasionar problemas analíticos (ex.: contaminação da amostra).[carece de fontes?]

Frações da matéria orgânica dissolvida

Embora a definição usual seja bastante útil, é importante ter em mente que a "matéria orgânica dissolvida" não indica exatamente o que de fato está verdadeiramente na fase dissolvida da matéria orgânica em sistemas aquáticos naturais.[2] A fração que passa através do filtro inclui, juntamente com o material verdadeiramente dissolvido, os componentes coloidais.[5] Estes são tão pequenos (tamanho entre 1 nm e 1 µm) que não são retidos pelos filtros usualmente utilizados para coletar a matéria orgânica particulada.[6] Dessa forma, os coloides são incluídos na matéria orgânica dissolvida. Essa distinção entre as frações da matéria orgânica dissolvida foi possível através dos métodos de ultrafiltração e filtração em gel, que separam materiais na faixa de 1 nm (isto é, 0,001 µm) e retém inclusive bactérias, vírus e até macromoléculas.[carece de fontes?] Estima-se que 50% da matéria orgânica dissolvida está presente no oceano como coloides de alto peso molecular (4.000-100.000 Da) cuja composição é semelhante à do fitoplâncton, sugerindo que este seja a fonte mais provável de partículas coloidais para a água do mar e que a contribuição terrestre é pouco significativa.[5][6]

Fontes de matéria orgânica para o oceano

Grande parte dos compostos orgânicos presentes no oceano é proveniente da produção primária na zona eufótica.[4] Em outras palavras, o fitoplâncton é a principal fonte de matéria orgânica para a água do mar.[5][7] Segundo Millero (2006),[4] a fotossíntese produz cerca de 2 × 1016 g C ano−1. Essa matéria orgânica produzida no próprio sistema oceânico é classificada como autóctone e representa 95% da matéria orgânica de todo o oceano.[7] Outras fontes de matéria orgânica para o oceano incluem o aporte terrestre através de rios (estuários/deltas), a deposição atmosférica, a morte/excreção de organismos marinhos e a ressuspensão de sedimentos.[4] A matéria orgânica proveniente de fontes externas que foi introduzida no sistema oceânico por transporte físico é referida como alóctone.

Distribuição de matéria orgânica dissolvida no oceano

Em termos gerais, a distribuição vertical do carbono orgânico dissolvido nos oceanos pode ser descrita em duas principais perspectivas.

A primeira perspectiva diz respeito aos níveis de carbono orgânico dissolvido e particulado no oceano superficial. A concentração dessas frações é muito maior nessa camada quando comparado ao oceano profundo,[4] fato que está intimamente relacionado à produção primária na zona eufótica.[8] Como a produção primária ocorre basicamente na zona eufótica (superfície do oceano), a quantidade de carbono orgânico liberada para a coluna de água também é maior. Estima-se que a concentração de carbono orgânico dissolvido no oceano profundo é cerca de metade da concentração encontrada na superfície do oceano.[7] A concentração do carbono orgânico dissolvido varia nos primeiros 300 m de coluna de água, mas no oceano profundo ela é praticamente invariável e significantemente menor.[carece de fontes?] Em outras palavras, a concentração de carbono orgânico dissolvido na coluna de água diminui com o aumento da profundidade. Isso sugere que o carbono orgânico dissolvido aportado pela produção primária no oceano superficial é consumido pela respiração microbiana. Somente o componente refratário resistente à degradação microbiana é exportado para águas profundas.[carece de fontes?]

A segunda perspectiva diz respeito à distribuição horizontal do carbono orgânico dissolvido no oceano global que está intimamente relacionada ao transporte de Eckman e à circulação termohalina. No Atlântico Norte, massas de água superficiais e enriquecidas em carbono orgânico dissolvido afundam e dão início ao transporte horizontal de material no oceano profundo.[carece de fontes?] Tal transporte segue em direção ao Atlântico Sul, Oceano Índico e Oceano Pacífico, terminando no Pacífico Norte. Uma vez que as escalas de tempo desse transporte de massas de água está na ordem de milênio, o carbono orgânico dissolvido refratário é lentamente degradado ao longo do caminho e atinge um mínimo no Pacífico Norte, onde massas de água profundas ressurgem na superfície. Dessa forma, as concentrações de carbono orgânico dissolvido no fundo dos oceanos Atlântico e Índico são maiores quando comparadas ao Pacífico. Isso ocorre porque as massas de água do Pacífico profundo são mais antigas.[carece de fontes?]

Reatividade da matéria orgânica dissolvida no oceano

A matéria orgânica dissolvida é constituída por frações que apresentam reatividade química muito diferente. Segundo sua reatividade, essas frações podem ser divididas em lábil, semi-lábil e refratária. A estrutura das moléculas que compõem as frações semi-lábil e refratária da matéria orgânica dissolvida é bastante complexa e tem sido objeto de diversos estudos desde a década de 1990.[carece de fontes?]

A matéria orgânica dissolvida lábil compreende moléculas muito reativas do ponto de vista bioquímico, que são produzidas e consumidas principalmente por organismos marinhos na superfície do oceano. Esta fração pode representar 30% da produção primária local e nela estão incluídas proteínas, carboidratos e lipídios que são facilmente degradados.[8] Sua velocidade de ciclagem é muito rápida (de minutos a horas).[carece de fontes?]

A matéria orgânica dissolvida semi-lábil é razoavelmente reativa na coluna de água abaixo da superfície. Seu tempo de reatividade está na faixa de meses a anos.[2] Este tempo de reatividade é mais longo do que aquele do carbono orgânico dissolvido lábil e mais curto do que aquele do carbono orgânico dissolvido refratário. Por isso, essa fração é conhecida como semi-lábil. Partindo do princípio de que a concentração do carbono orgânico dissolvido refratário em águas profundas está uniformemente distribuída em toda a coluna de água, sua fração semi-lábil é representada pelo excesso de carbono orgânico dissolvido na superfície.[carece de fontes?] O carbono orgânico dissolvido semi-lábil é uma parte quantitativamente menor (<10%) do estoque de carbono em todo o oceano, mas é importante para o fluxo de carbono.[2]

A matéria orgânica dissolvida inerte ou refratária consiste de compostos estruturalmente complexos e bastante resistentes à degradação, tais como lignina, pólen e ácidos húmicos.[5] Essa fração está uniformemente distribuída ao longo da coluna de água e representa cerca de 70% da matéria orgânica total no oceano profundo. Sua idade estimada pelo método de datação do carbono-14 está na ordem de centenas a milhares de anos.[2] Portanto, a matéria orgânica dissolvida refratária resiste a vários ciclos de mistura completa dos oceanos (estimada em 1,5 mil anos) antes de ser incorporada ao sedimento.[carece de fontes?]

As frações de alto e baixo peso molecular da matéria orgânica têm reatividades química e biológica bem diferentes no ambiente, sendo diretamente associadas com as frações lábil e refratária, respectivamente. A fração de alta massa molecular é mais abundante na superfície do oceano em comparação com águas profundas. Aproximadamente 75-80% da matéria orgânica dissolvida no oceano profundo é de baixa massa molecular. Isso sugere que a fração de alta massa molecular é mais reativa, enquanto que a de baixa massa molecular é menos reativa e caracteriza a principal forma de matéria orgânica dissolvida refratária no oceano.[2]

Referências

  1. Baumgarten, M.G.Z.; Wallner-Kersanach, M.; Niencheski, L.F.H. 2010. Manual de Análises em Oceanografia Química. 2ª edição, Editora da FURG, 172p.
  2. Ogawa, H.; Tanque, E. Journal of Oceanography, v. 59, p. 129-147, 2003.
  3. Hansell, D. A.; Carlson, C. A. 2002 Biogeochemistry of marine dissolved organic matter. Elsevier Science.
  4. Millero, F. J. 2006. Chemical Oceanography. 3rd edition, CRC Press, Boca Raton, 496p.
  5. Chester R. Marine Geochemistry. 2003. 2nd edition, Blackwell Science, Oxford, 506p.
  6. Lee, C.; Wakeham, S. G. Organic matter in the water column: future research challenges. Marine Chemistry, v. 39, p. 95-118, 1992.
  7. http://www.eoearth.org/view/article/154471/. Acesso em 14 de novembro de 2014.
  8. Hansell, D. A et al. Dissolved organic matter in the ocean: a controversy stimulates new insights. Oceanography, v. 22, 2009.
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