Guerras fernandinas

As chamadas guerras fernandinas caracterizaram-se pela disputa do trono de Castela entre Fernando I de Portugal e Henrique II de Castela (e depois, com o filho deste, João I de Castela). Estas foram despoletadas na sequência do assassínio de Pedro I de Castela, primo direito de Fernando, por Henrique seu meio-irmão.

Episódio das guerras fernandinas: o exército luso-inglês (do lado direito) derrota uma vanguarda francesa às ordens do Rei de Castela.

Podem ser divididas em três fases: entre 1369-1370, 1372-1373 e 1381-1382. Cada um desses três períodos de guerra terminou com um tratado de paz: o Tratado de Alcoutim (1371), o Tratado de Santarém (1373) e o Tratado de Elvas (Agosto de 1382).

Antecedentes

Durante os reinados de Afonso IV e de Pedro I, que são o avô e o pai do rei português, houve em Castela guerra civil, opondo o rei castelhano, Pedro I de Castela contra o meio-irmão Henrique de Trastâmara.[1]

O rei de Castela é primo do rei Fernando I, por ser neto de Afonso IV, sendo a mãe do rei castelhano filha de Afonso IV.

O rei de Castela, Henrique II

A guerra termina com a morte do rei Pedro I, assassinado por Henrique de Trastâmara, que assume o trono de Castela como Henrique II. Os partidários do rei assassinado refugiam-se em Portugal e convencem o rei português, como bisneto de D. Sancho IV de Castela, através da sua avó paterna, Beatriz de Castela,[2] a reclamar o trono do país vizinho. Fernando e Henrique são ambos bisnetos de Sancho IV, mas Henrique é por via ilegítima e o rei de Portugal por via legítima.

Primeira guerra (1369-1370)

O rei Fernando.

A primeira campanha contra Castela decorre entre julho de 1369 e janeiro de 1371.[3]

Dois anos após o começo do reinado de D. Fernando I, em 1369, morreu assassinado o rei de Castela D. Pedro I, no contexto da Guerra dos Dois Pedros, sem deixar herdeiro varão. Henrique de Trastâmara, irmão bastardo do rei falecido, assumiu a coroa e foi proclamado rei, após ter assassinado seu irmão e antecessor.

Apoiado por fidalgos de poderosas famílias como os Teles de Meneses, Castro e Vilhena e com o apoio garantido da Galiza e da Andaluzia, o rei português começa a guerra.[4]

Entretanto, fruto de diligências da irmã de D. Fernando, Maria de Portugal, Princesa de Aragão,[5] Portugal teve como aliado Pedro IV de Aragão.[6] É prometido o casamento do rei português com a filha de Pedro IV, Leonor.[6]

Inicialmente D. Fernando invade a Galiza. Em maio do ano seguinte, ataca Cádis pelo mar e bloqueia Sevilha. No Outono de 1370, Henrique II expulsa os portugueses da Andaluzia. A norte, o castelhano contra-ataca na Galiza e penetra por Braga, Guimarães, Bragança e Cedovim, saindo pelo nordeste transmontano.[3]

Em janeiro de 1371 é pedida a paz por Portugal.[7] Foi feito acordo assinado em março com intervenção do Papa Gregório XI e do rei de França. As condições do Tratado de 1371 incluíram o alargamento da fronteira de Portugal para norte e para leste e o matrimónio entre Fernando I e Leonor de Castela, filha de Henrique II.[7]

Porém, em pouco mais de um ano, antes da celebração matrimonial consumar-se, D. Fernando I apaixonou-se por Leonor Teles de Menezes, sobrinha do conde de Barcelos e de Ourém, esposa de João Lourenço da Cunha. Tendo sido conseguida a anulação do primeiro matrimónio de Leonor, não duvidou em a tornar rainha.[8] Tal facto resultou no levantamento de uma insurreição interna,[9] sem que fossem prejudicadas as relações com Henrique II, quem, por sua vez, rapidamente prometeu a sua filha ao rei Carlos III de Navarra.

Segunda guerra (1372-1373)

O casamento oficial com Leonor Teles deu-se em 1372. Não respeitando o tratado de Alcoutim, ao não casar com a filha de Henrique II, foi necessário redigir novo entendimento, concretizado no Acordo de Tui, que retornava ao estado original as fronteiras entre os dois reinos.[7]

O duque de Lencastre, João de Gante.

A paz acordada seria rapidamente colocada em perigo devido às intrigas de João de Gante, duque de Lencastre, que convenceu D. Fernando I a participar de um acordo secreto em que ambos alinhavam na expulsão de Henrique II do trono de Castela.[2] Esse foi o Tratado de Tagilde, redigido em julho de 1372.[10] O duque de Lencastre estava casado desde 1371 com a filha mais velha do defunto rei D. Pedro I, Constança. Nesse cenário, Portugal envolvia-se no longo conflito entre a Inglaterra e a França, na chamada guerra dos cem anos.[6] No ano de 1373, em junho, o tratado foi ratificado com Eduardo III.[10][9]

Henrique II, que procurava ainda a paz, envia um bispo a Salvaterra de Magos para dialogar com D. Fernando mas foi inútil. Vem a segunda guerra.[3]

Durante esta, os castelhanos tomam a dianteira, e, no Verão seguinte, o rei castelhano entra pela fronteira da Beira numa campanha que chegará até Cascais.[3] Atravessaram a fronteira em dezembro e ao chegar a Lisboa, em fevereiro, o exército português preferiu fugir.[7] Grande parte da cidade estava fora de muralhas; os castelhanos queimaram, saquearam e destruíram o que podiam.[11] A corte nessa altura estava em Santarém.

A paz entre Castela e Portugal foi pedida pelo rei Fernando I e o tratado de paz foi assinado em 24 de março de 1373.[7]

Depois de assinado o acordo, pelo Tratado de Santarém, o rei tratou de organizar o reino e mandou construir novas muralhas em Lisboa e Porto e outras localidades,[10] que deram origem às chamadas muralhas fernandinas.

Terceira guerra (1381-1382)

João I de Castela.

Com a morte de Henrique II, em 1379, o duque de Lancaster reclama novamente os seus direitos e, outra vez, encontra em D. Fernando I um aliado. Porém, segundo alguns historiadores, o inglês mostrou-se tão ofensivo com Fernando como com os seus inimigos. Novo acordo foi assinado em 1380 pelo Tratado de Estremoz.[12] O novo rei de Castela, filho de Henrique II, assume com o título de João I de Castela.

Nessa altura ocorreu o grande cisma do Ocidente. Portugal, antes de começar a guerra seguiu o país vizinho, apoiando Clemente VII. Com a guerra, volta-se para Urbano VI.[13]

Em 1380, o rei português coloca o conde de Andeiro em missão secreta para reafirmar o velho tratado luso-britânico e garantir o futuro envio de tropas inglesas para a Península Ibérica. D. Juan I, o novo rei de Castela, sabe do sucesso das diligências de Andeiro e antecipa-se.[3]

Enquanto Portugal preparava-se para a guerra, Castela invadiu a fronteira, em maio.[14] Meses depois, apenas em julho,[14] veio o conde de Cambrigde com tropas inglesas para as operações militares.[9] A aliança inglesa não trouxe vantagens, pois os aliados trataram Portugal como país conquistado,[13] demorando-se longamente em Lisboa, pois gostaram muito da cidade e só em dezembro de 1381 resolveram participar na guerra.[14] Durante essa guerra deu-se a batalha da ilha de Saltes, que enfraqueceu imenso a armada portuguesa.

Chegada de navios ingleses a Lisboa. O conde de Cambridge apresenta-se ao rei Fernando.

Finda essa guerra, com o Tratado de Elvas, nova mudança de papa, para Clemente VII.[13] Os ingleses partiram, não deixando saudades.[14]

Com o Tratado de Salvaterra de Magos, em 1383, ficou estipulado que Beatriz, a herdeira de Fernando I, casaria com o filho mais novo do rei João I de Castela. O noivo era Fernando, ainda mais novo do que a noiva prometida. Contudo, após o rei João I ter ficado viúvo, foi ele mesmo a casar com a noiva prometida ao filho.[15] Essa união traduzia-se, de facto, na anexação de Portugal pela coroa de Castela não sendo, portanto, bem recebida por muitos portugueses.[2] Nessa altura o rei já se encontrava doente, com a tuberculose que o levaria à morte.[16]

Legado

Parte da muralha fernandina do Porto.

As guerras não trouxeram vantagens para o país. A frota portuguesa foi destruída em batalha naval. Durante o período de paz, entre a segunda e a terceira guerra, foram criadas novas muralhas em Lisboa, Porto e Évora.[10] São as muralhas fernandinas.

As alianças com Castela eram feitas e desfeitas, o mesmo com o papado. A nobreza através da rainha obteve muitas regalias.

A única verdadeira batalha deu-se no mar, durante a terceira guerra, destruindo boa parte da armada portuguesa.

Como não houve filho varão do rei e a filha Beatriz estava casada com o rei de Castela, o país enfrentava uma crise dinástica. Após o rei Fernando I morrer, o rei castelhano proclamou-se rei de Portugal. A rainha regente mandou proclamar a filha rainha de Portugal. Em Lisboa, João, mestre de Avis, meio-irmão do falecido rei, com um grupo de amigos, mata João Fernandes Andeiro, nobre galego, conde de Ourém, muito influente no governo. Desencadeia-se uma revolta popular e o mestre de Avis torna-se regente.[17] A rainha foge para Alenquer, terminando a sua regência.

A nova situação política deu origem à crise de 1383-85.

Ver também

Referências

  1. Saraiva 1993, pp. 102-103.
  2. Saraiva 1993, pp. 121-123.
  3. Macdonald, João (1 de janeiro de 2006). «D. João I - biografia». Planeta DeAgostini. Consultado em 17 de julho de 2022
  4. Mattoso 1993, p. 491.
  5. ZURITA, António. Anales de Aragón, Livro VIII. [S.l.: s.n.]
  6. Marques 1980, p. 179.
  7. Mattoso 1993, p. 492.
  8. Campos 2008, pp. 220-221.
  9. Saraiva 1993, p. 569.
  10. Mattoso 1993, p. 492.
  11. Marques 1980, p. 183.
  12. Mattoso 1993, p. 493.
  13. Marques 1980, p. 183.
  14. Mattoso 1993, p. 494.
  15. Campos 2008, pp. 144-146.
  16. Campos 2008, p. 155.
  17. Mattoso 1993, p. 495.

Bibliografia

  • Cervera Pery, José (1992), El poder naval en los reinos Hispánicos: la marina de la Edad Media, ISBN 9788471402912 (em espanhol), Madrid: San Martin
  • Fernández Duro, Cesáreo (1995), La Marina de Castilla, ISBN 9788486228040 (em espanhol), Madrid: Editmex
  • Pereira, António Rodrigues (1983), História da Marinha Portuguesa, Lisboa: Escola Naval
  • Saraiva, José (1993). História de Portugal. Mem Martins: Publicações Europa-América
  • Campos, Isabel (2008). Leonor Teles, uma Mulher de Poder?. Lisboa: Tese de Mestrado, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
  • Marques, António (1980). História de Portugal. Lisboa: Palas Editores
  • Mattoso, José (1993). História de Portugal, A Monarquia Feudal, Segundo Volume. [S.l.]: Círculo de Leitores. ISBN 972-42-0636-X
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